22 de novembro de 2013

Rubens, A Consequência da Guerra, 1637-38

Peter Paul Rubens
A Consequência da Guerra, 1637-38
Óleo s/tela 206 cm × 345 cm
Palácio Pitti, Florença



Rubens,
Detentor de um estilo próprio, Rubens arrebata, nos seus quadros cheios de cenas complexas, cores mais suaves revelando detalhes pormenorizados ao contrário dos seus congéneres italianos. O seu talento foi rapidamente reconhecido alcançando um lugar de destaque no mundo das artes do século XVII (BARROCO). Contratado pelo duque de Mântua, Vicenzo Gonzaga, para quem passou a trabalhar com dedicação total por um período de tempo significativo, foi conquistando prestígio na corte ganhando influência com pessoas importantes e poderosas. Homem de confiança do duque de Mântua desempenhou várias missões diplomáticas em Espanha e em Itália.
Rubens, que nunca deixou de pintar, vivenciou os horrores da guerra (Guerra dos 30 anos, 1618-1648), uma série de conflitos travados sobretudo no centro da Europa, actual Alemanha, envolvendo vários estados. Inicialmente estes conflitos estavam enraizados numa disputa de cariz religioso entre Protestantes e Católicos acentuando os antagonismos das duas facções evoluindo rapidamente para contendas entre os vários principados germânicos. O Sacro Império Romano-Germânico,  católico, instrumento político da família dos Habsburgos, perdia influência para a Alemanha Luterana e via-se ameaçada pelo poder crescente dos Suecos e, principalmente, dos Franceses. À medida que o conflito se desenhava as tensões religiosas agravavam-se na Alemanha, reinado de Rodolfo II, período durante o qual foram destruídas muitas igrejas protestantes. Este conflito devastador, talvez, o maior na história europeia, começou com uma disputa religiosa, dita "Palatino-Boémia" (1618-1625), numa segunda fase o conflito assumiu um carácter internacional numa altura em que os estados germânicos protestantes buscavam ajuda no exterior contra os católicos; o envolvimento dinamarquês (1625-1629), seguida da intervenção sueca (1630), terminou com o envolvimento dos franceses (1635-1648) agora numa luta pela hegemonia na Europa Ocidental, travada pelos Habsburgos e a corte de Luís XIV, Rei Sol, recentemente empossado (1643).
É neste contexto histórico que Rubens pintou “Consequências da Guerra, 1637-38”. Numa pincelada gestual imprimindo movimento às formas são revelados todos os detalhes. Marte, deus romano da guerra, que é a figura principal apresenta-se de couraça e capacete empunhando a espada, enfatizado por uma capa vermelha, espezinhando um livro e um desenho: símbolo da violência que a guerra impõe à cultura de qualquer povo. A destruição protagonizada por Marte é impedida por Vénus, deusa do amor, atraindo a atenção de todos aqueles que sofrem os horrores da guerra. Vénus esforça-se por conter Marte e manter a paz coadjuvada por Cupido e Amors –cupido romano- (Omnia vincit amor et nos cedamus amori) – o amor tudo vence, numa alusão a Vergílio (éclogas X). No chão podemos ver as setas e um ramo de oliveira que quando juntas ao caduceu significam concórdia. Vénus é representada nua, visão clássica, suplicando melancolicamente a Marte, num derradeiro esforço para manter a paz.

Se há características formais que definem Rubens é a representação feminina, nomeadamente os nus. Vénus com os rolos e colares preciosos adornando o penteado associado à nudez manifesta em formas roliças dão configuração à mulher “rubeniana”. (Ver “O Desembarque em Marselha" de Maria de Médicis, “O Julgamento de Páris”, “As três Graças”, “Vénus ao Espelho”, etc.).
Numa paleta harmónica, os contrastes diferenciam-se dos pintores tridentinos atingindo uma atmosfera pictórica que fará escola no norte europeu.


É nesta dicotomia (Guerra e Paz) que a cena se desenrola: do lado direito a Fúria de Alecto (encarnação grega e romana da raiva: ira implacável ou incessante[1]) arrasta Marte para o seu propósito destrutivo erguendo uma tocha. Nas trevas podemos observar dois monstros simbolizando os efeitos da guerra, a Pestilência e a Fome, acentuando o dramatismo onde põem em causa a Harmonia representada pela mulher segurando em vão o alaúde, assim como o Arquitecto desesperado agarrando o compasso. No âmago deste caos uma mulher tenta salvar o filho.
Do lado esquerdo da pintura, o Templo de Janus –deus da mudança- aparece com a porta entreaberta.

Numa referência aos poemas de Ovídio, Fasti, era usual na Roma Antiga, o Templo de Janus ser fechado para indicar tempos de paz, enquanto uma porta aberta indicava guerra.

Linhas implícitas da composição
Toda a composição se desenrola num grande eixo (diagonal descendente, da esquerda para a direita) e deixei para o fim a mulher de negro, Europa, representando o mundo cristão que se digladiava infringindo o maior dos sofrimentos aos seus povos.



[1] Eneida de Virgílio e Inferno de Dante