31 de outubro de 2013

Barroco

Andrea Pozzo, 

Apoteose de S. Inácio de Loyola, (Trompe l'oeil), 
Roma


BARROCO

A Europa estava a mudar e com o aparecimento de novos pólos económicos gerou, inevitavelmente, uma grande variedade de abordagens estilísticas, que foram englobadas sob a denominação genérica de "arte barroca". “Barroco” ou “Barrocos” é questão mais premente a todos os historiadores de arte. Porém, se a abordagem ao Barroco tiver em conta o período, consensualizado, entre o final do século XVI até finais do século XVIII, poderemos constatar que certas obras estão mais próximas do classicismo renascentista e outras mais afastadas dele consoante os centros artísticos de onde provêm. Assim, podemos caracterizar, em termos gerais, a arte Barroca como uma tentativa de conciliar a realidade terrena com o mundo transcendental em obras dramáticas e exuberantes: a principal característica. Influenciados pela tradição clássica da arte renascentista, os artistas barrocos mostravam maior dinamismo, contrastes mais fortes, maior dramaticidade, exuberância e realismo na abordagem de temas idênticos. Enquanto no Renascimento as qualidades de moderação, economia formal, austeridade, equilíbrio e harmonia eram as mais procuradas, no Barroco a tendência decorativa, contrastes mais fortes, dinamismo, dramaticidade, teatralidade da acção, o gosto pela opulência dos materiais e a demanda de uma vida espiritual denotam uma tensão entre a arte Barroca e a vida religiosa. O Barroco é, por excelência, o estilo artístico da Contra-Reforma. O BARROCO é a arte do exagero.
Gian Lorenzo BERNINI
Êxtase de St Teresa, 1625
Capela Cornaro, Igreja de Santa Maria della VittoriaRoma
Numa época onde a maior parte da população era iletrada, a arte católica transforma-se em um complemento altamente persuasivo para o catecismo verbal. Enquanto os protestantes repudiavam o luxo dos templos e o uso de imagens nos cultos, o clero católico procurava transformar a liturgia religiosa num verdadeiro espectáculo sensorial, capaz de cooptar mais seguidores. Todas as artes concorriam para a criação de uma “obra total”, unindo arquitectura, música, pintura, escultura e até mesmo o teatro num rico repertório simbólico e dramático, que se destinava a emocionar e incrementar a devoção.
Esta relação entre a imagem e a palavra foi objecto de maior acuidade e insistência nos séculos XVI e XVII onde a Poesia não podia deixar de estar presente dando forma à ut pictura poesis[1], que aconselhava os poetas a inspirarem-se nas pinturas, mostrando que a arte apenas atinge a sua plenitude guardando contacto com o visível. O poeta, que especula como o filósofo, pretende igualmente desenvolver a sua capacidade sensual de “pintar”, numa crescente preocupação de dar aos textos escritos um carácter pictórico, onde o discurso produz imagens a partir de representações plásticas.

«Os sábios são pintores; pintura é poesia; pintura é história; e enfim toda a composição de homens cultos (qualunque componimenti de’dotti) é pintura.» Ludovico Dolce[2]

No fim do século XVI e principalmente do século XVII, as soluções plásticas no nosso país não atingiram nem o fascínio sensorial, nem a carga metafísica dos grandes mestres maneiristas de Florença e de Roma ou mesmo de Fontainebleau e de Praga, devido aos valores culturais de um maneirismo sui generis de decantada ideologia tridentina. Os teólogos corrigiram determinados temas, anteriormente representados, transmitindo-lhes um programa mais de acordo com os dogmas contra-reformistas e com a pretendida tarefa pedagógica de inflamar as almas dos crentes com cenas de milagres, de exaltação mística e de martírios numa atitude semelhante à ut pictura poesis. A “pintura” desenvolvida pela Retórica da Igreja Contra-reformista instigava o contemplador a ouvir tal como o orador devia fazer a sua audiência ver.
As “constituições sinodais” dos bispados, bastante divulgadas após o Concílio de Trento, normalizavam por toda a parte a representação artística, «precavendo os artistas e quem lhes encomendava obras contra asimagens de formosura dissoluta” ou que “dêem ao povo ocasião de erro, ou escândalo”»[3].
Adoptando como dogma iconográfico o “corpo plangente”: estavam lançados os alicerces da “arte barroca”.
Mas nem sempre estas características são bem evidentes ou se apresentam todas ao mesmo tempo. O BARROCO foi um movimento artístico internacional apresentando características distintas consoante a sua proveniência e local onde se desenvolveu. Além disso, na sequência maneirista cada artista empregava tendências específicas – as prescrições eram muito mais temáticas e morais do que técnicas.





[1] Os Poemas constituíram a manifestação mais tangível da doutrina da ut pictura poesis em Portugal. Como se sabe, a Arte Poética de Horácio fundamentara no renascimento a teoria da equivalência entre a pintura e poesia.
[2] Nuno Saldanha, Poéticas da Imagem, Lisboa: Caminho, 1995. p. 39.
[3] Flávio Gonçalves, A legislação sinodal portuguesa da Contra-Reforma e a Arte Religiosa, in Comércio do Porto, Fevereiro, 1960.